Antonio Carlos Pedroso de Siqueira

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REFORMA TRIBUTÁRIA.
SERÁ QUE JÁ É POSSÍVEL ACREDITARMOS?

Por Antonio Carlos Pedroso de Siqueira
Sócio da Moore Stephens Auditores e Consultores
Abril//2001 – Curitiba – PR

 

        Após a edição, pelo Governo Federal, das Lei Complementares, em janeiro de 2001, que trouxeram novas orientações restritivas a capacidade das empresas adotarem, livremente, procedimentos que tenham por objetivo a redução de sua carga tributária e maior eficácia no poder de fiscalização pelo Estado, pudemos perceber que as pessoas que sempre atuaram na área de planejamento tributário passaram a ser consideradas como pessoas extremamente necessárias para permitir a identificação ou a adequação da carga tributária justa das empresas.

 

        A busca da redução da carga tributária é tão antiga quanto a imposição legal dos tributos. Não é por outra razão que nos países de língua espanhola eles são conhecidos pelo nome de “impositivos”,  e no Brasil o chamamos de “imposto”; pois são obrigações que nos penalizam diretamente, e sempre, claro, contra a nossa vontade. Assim, como é justo àquele que está preso a busca de sua liberdade pelos meios legais, também é justa a busca de formas lícitas para a redução dos tributos àqueles que o devem pagar. Esse procedimento é denominado de ELISÃO FISCAL. Não deve ser confundido com o termo EVASÃO FISCAL, que é um crime tributário, que sujeita seu infrator a pesada multa e até à prisão.

 

        As situações que vou passar a descrever têm por base a maioria das empresas brasileiras, que são as companhias de capital fechado e as empresas limitadas; visto que as sociedades anônimas, que possuem ações negociadas na Bolsa de Valores e aquelas que possuem uma diversidade em seu quadro acionário não se utilizam de procedimentos que possam - com objetivo de reduzir sua carga tributária - reduzir o resultado que é base para a distribuição de dividendos.

 

        De um modo geral, e de acordo com o desenvolvimento da nossa economia, que passou, até há bem pouco tempo atrás, pela experiência de conviver com elevadas taxas de inflação que distorciam violentamente todos os valores relativos, provocando alterações completamente malucas nos preços e nos resultados das empresas, por conseqüência. A habilidade natural de nossos empresários fez com que a maioria buscasse imitar procedimentos e estratégias que estavam sendo adotadas por grandes corporações, que seguiam as orientações de seus consultores tributários para adequarem os montantes de seus impostos devidos a cada ano.

 

        Com a correção monetária, introduzida como meio para eliminar os efeitos da inflação sobre os resultados que eram a base para o cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (e posteriormente da Contribuição Social Sobre o Lucro), a maioria dos novos “consultores tributários”, que foram surgindo com o tempo, passou a orientar aos seus clientes nas modificações que as leis existentes possibilitavam, na forma de apuração e determinação, do montante de efeito inflacionário que impactava o resultado a ser tributado. A técnica adotada era, de certa forma, simples e objetiva; em vez de se questionar a alíquota do imposto buscava-se alternativas que permitissem a alteração (para menos, evidentemente) do resultado que seria utilizado como base para o cálculo do imposto. Em termos de caixa o novo procedimento atendia adequadamente, sem que houvesse o custo de questionamento com o Estado, o qual poderia resultar, eventualmente, em negativa.

 

        Enquanto perdurou a situação de elevada inflação com a manutenção do procedimento de correção monetária das contas do ativo permanente e do patrimônio líquido das empresas lucrativas e tributadas com base no lucro real, a situação do “planejamento tributário” que vinha sendo efetuado atendia aos interesses da maioria das empresas brasileiras, especialmente pelo fato de que, sendo uma técnica de aplicação quase comum, não exigia a contratação de consultores especializados, resultavam em um ganho mais significativo. Quando alguma empresa, por possuir maior margem de contribuição em seus produtos, gerava um lucro maior e, por isso, necessitava de procedimentos que reduzissem com mais vigor o seu resultado e, conseqüentemente, seu patrimônio líquido, era buscada uma alternativa compensatória realizando uma reavaliação de seus bens do ativo permanente, que - ao menos cosmeticamente - recompunha a dignidade de sua situação patrimonial. Na época os valores de mercado dos ativos em operação nas empresas – até pela inflação oficial ser sempre inferior à real – mesmo em operação conseguiam superar os valores residuais registrados pela contabilidade. Era uma situação bizarra! Empresas com uma situação de liquidez favorável apresentavam lucros deprimidos, enquanto empresas altamente capitalizadas, com lucros elevados (e quando sociedades anônimas tinham de distribuir os dividendos obrigatórios) a situação financeira era bastante crítica, mantida normalmente à custa de financiamentos de longo prazo. Na realidade esse tipo de planejamento trouxe uma série de problemas há um grande número de empresas. Com o deperecimento de seu patrimônio líquido elas passaram a ter, cada vez mais, dificuldades em conseguir empréstimos e financiamentos para realizarem os seus negócios. E quando conseguiam esses empréstimos as taxas eram, normalmente, mais elevadas, pois incluíam um fator de risco maior, já que os conceitos de avaliação da capacidade de tomada de financiamentos, naquela época, diferiam dos critérios atuais.

 

        Com isso, empresas que possuíam produtos de excelente aceitação no mercado e tinham boa margem de lucratividade, passaram a enfrentar dificuldades crescentes, extremamente mais elevadas, provavelmente, do que os tributos que deixaram de pagar. O mais perverso nesse tipo de análise é perceber-se que essas empresas continuaram com os procedimentos que reduziam seus resultados mesmo quando já estavam com prejuízos, agora verdadeiros e não provocados por estratégias de “planejamentos tributários”, em suas operações, causados pela dependência de capitais de terceiros com elevadas taxas de juro. Devemos acrescer a esses fatos as profundas mudanças que foram introduzidas na economia, em especial aquelas que determinaram que os ativos já não se constituíam em reservas de valor e tampouco agregavam valor quando permanecessem em estoque.

 

        Tantas alterações fazem com que ganhem forças os apelos para que se realize a tão esperada reforma tributária. Essa reforma tributária que, a cada início de ano, é lembrada pelo Presidente Fernando Henrique em seus discursos, que estão se tornando repetitivos e totalmente inócuos. Todas as alterações que foram introduzidas nos últimos anos trouxeram a elevação de alíquotas das contribuições (COFINS, especialmente, que teve um aumento de 50% em sua alíquota), além da volta da tão danosa CPMF. Esses efeitos são tão significativos que o Governo Federal passou a ter uma arrecadação recorde, liderada pelas Contribuições (chamadas, também, de sociais).

 

        Agora, em 2001, começam a surgir várias crises que se auto alimentam ou são interdependentes, dentre elas podemos lembrar: a recessão americana que ocorre no início de um novo governo, sucessor de uma prosperidade notável; a crise argentina como um terremoto no MERCOSUL; a incerteza cambial quanto ao Real, exigindo cautela e estagnação nos segmentos econômicos; turbulências no comércio exterior (causadas, inclusive, pela melhor condição tecnológica, como ocorreu com os aviões e a carne de gado bovino) que provocam significativo déficit nas transações correntes e tornam o Brasil extremamente vulnerável no âmbito internacional; pressão intensa para que o Brasil ingresse na ALCA; etc.

 

        Essa conjugação de fatores nos permite vislumbrar que há, neste momento, uma pressão, inclusive internacional, para que o Brasil passe a adotar uma política tributária que desonere os exagerados encargos fiscais que, pela forma adotada atualmente, permanecem incidindo sobre os produtos comercializados. Há uma crença de que essa nova condição, a ser introduzida em nosso sistema tributário possibilitará um aumento de nossas exportações com maior ganho de divisas e conseqüente equilíbrio do balanço de pagamentos.

 

        É claro que a Reforma Tributária é um passo importante para a entrada do Brasil na ALCA. Chego a questionar se o retardamento da implementação dessa Reforma não é proposital, já que devemos estruturar a economia em vários pontos importantes antes de nos submetermos sem quaisquer salvaguardas, e em uma nova realidade de competição internacional que poderá significar uma séria ameaça ao nosso desenvolvimento tecnológico. A não ser que adotássemos uma estratégia semelhante a que foi adotada pelo México, onde o que importa é a entrada de divisas e nada mais. Quando pensamos no Brasil, dentro do contexto da América Latina, é inevitável que identifiquemos características peculiares que não permitem que tenhamos as mesmas ações que tendem a ter México, Argentina, Chile e outros. Essas peculiaridades exigem um pouco mais de cautela, mesmo sob essa enorme pressão que vem sendo exercida por todas as circunstâncias concomitantes que estão acontecendo.

 

        De qualquer forma é chegado, finalmente, os tempos das tão esperadas reformas. Quem sae não seria possível termos um destaque dentre os líderes de nosso Governo, e da própria sociedade civil, que viessem a liderar um conjunto de reformas que seguisse a seguinte ordem (o bom do sonho é que ele sempre é bom de se sonhar):

a)      Reforma política – Onde seriam reduzidos significativamente o número de partidos atualmente existentes (que tem servido mais como “barriga de aluguel”, ou estágio temporário de candidatos); Seria estabelecido um regime de voto distrital (onde, de fato, seria observado o peso do voto de cada cidadão); Seria definido que o mandato político é do Partido e não do Candidato (fazendo com que aqueles que, vencendo nas urnas não pudesse levar para outra agremiação o poder conquistado – creio ser esta a forma mais eficaz de se terminar com o vergonhoso processo de “troca-troca” dos candidatos, sempre mais interessados nos projetos pessoais, do que nos projetos do Partido ou do segmento da população ao qual representam); Revisão da estrutura federativa atualmente existente (talvez fosse o caso de pensar-se, por exemplo, em transformar os atuais Estados e Distritos Federais em entes simbólicos, deixando toda a força política, econômica, tributária e administrativa aos Municípios em especial e à União com funções reguladoras e de Estado), etc.

b)      Reforma fiscal – como decorrente da reforma política, onde seriam necessariamente revistos os orçamentos da União, enxugando-se gastos desnecessários (no início de 1990 a União despendia 30% de sua arrecadação com tributos para controlar a própria arrecadação. Será que a simplificação das regras tributárias não permitiria uma maior eficiência tributária?). Claro que essa reforma suscitaria uma nova realidade da política da participação dos estados e municípios nos tributos arrecadados.

c)      Reforma administrativa – como conseqüência direta das reformas política e fiscal, com o necessário emagrecimento do Estado como um todo. O eventual desemprego adicional gerado deverá ser superado com a criação de treinamentos especializados na geração de novos núcleos de renda (especialmente nas áreas de turismo e educação, em suas várias modalidades). Realinhamento da questão previdenciária (talvez semelhante a realizada pela Argentina) onde haveria um máximo a ser pago a cada pessoa aposentada, independente se ela tivesse trabalhado na economia pública ou privada. Destributação dos salários, maior facilidade de relacionamento com os Sindicatos que passariam a exercer um papel auxiliar atendendo aos interesses dos trabalhadores (de fato, e não como atualmente, onde o papel do líder Sindical é o de projetar-se política e individualmente), proporcionando-lhes condições de treinamento e desenvolvendo áreas de novos postos de emprego.

d)     Reforma tributária – que poderia ser direcionada para uma simplificação onde seriam tributados especialmente o consumo final, facilitando a identificação do montante de tributos incidentes em cada produto, que poderia ser eliminado, total ou parcialmente, nas exportações. Uma atenção especial deverá ser dada à tributação dos insumos básicos (energia) para que não sejam prejudicados os cidadãos das comunidades produtoras/geradoras de energia, que tem agressões em seu meio-ambiente.

 

        Outro fator relevante neste momento é a crise de energia pela qual passa o Brasil e o próprio Estados Unidos (notadamente a Califórnia). É interessante observar que a crise atual, no Brasil, pelo menos, está sendo comentada por todas as camadas da população, que adquiriram consciência da importância da economia de energia (elétrica ou fóssil) e do racionamento que será instituído em todo o País no caso da energia elétrica. Devemos observar que há uma forte tendência em se provocar a economia de energia elétrica mediante a elevação das tarifas. Nesse aspecto devemos observar duas questões, que são as seguintes:

a)      os preços das tarifas elevados durante uma crise energética nunca são reduzidos quando ocorre o equilíbrio de sua oferta ao mercado;

b)      na abundância de oferta de energia (que ocorre no Brasil quando temos um regime de chuvas mais intensa nas cabeceiras dos rios que formam as nossas principais usinas) não são observadas reduções de preços nessas tarifas; normalmente são realizados contratos de vendas internacionais que nos pressionam quando há escassez de chuvas;

c)      estamos num momento em que a maioria das empresas geradoras de energia está sendo preparada para serem privatizadas. Quem ficará com o excesso de margem quando a situação de oferta/demanda voltar a se equilibrar?

 

        Creio que por todas essas razões, especialmente pela pressão internacional que está sendo realizada e os interesses econômicos existentes, podemos crer que a tão esperada Reforma Tributária está, de fato, por acontecer. E breve!

 

 

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