Antonio Carlos Pedroso de Siqueira

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Carnaval Tributário

Antonio Carlos Pedroso de Siqueira

 

O novo milênio inicia com várias alterações de ordem tributária às empresas brasileiras. Algumas dessas alterações irão afetar bastante os procedimentos adotados até hoje pelas empresas em geral e, especialmente, pelos seus consultores, auditores e assessores tributários e contábeis.

 

As principais alterações introduzidas em janeiro de 2001, além das várias Medidas Provisórias editas e/ou reeditadas sobre os mais variados assuntos, podem ser resumidas da seguinte forma:

ASSUNTO

COMO ERA

COMO FICOU

Lei Complementar n.º 105 de 10/01/2001 – Sigilo Bancário

Acesso às informações relativas a movimentação de contas bancárias

Somente através de autorização judicial expressa

Faculta o acesso por parte do Ministério da Fazenda mediante simples solicitação formal

Lei n.º 10.174, de 09/01/2001 – CPMF

CPMF como instrumento de fiscalização

Impossibilitava a utilização das informações para constituição de crédito tributário

Faculta a utilização das informações da CPMF para instaurar procedimentos de fiscalização

Lei Complementar n.° 104, de 10/01/2001 – Combate à Elisão Fiscal

Restrição à Elisão Fiscal, formas de Planejamento Tributário

A administração limitava-se a verificação dos fatos reais e ou legalmente formalizados.

Autoriza a administração a desconsiderar registros, com base em fundada suspeita das operações que visem a economia de tributos

Compensação de tributos

Não restringia a compensação de crédito tributário com base em decisão judicial provisória.

Veda expressamente qualquer compensação de tributo com base em decisão judicial provisória condicionando expressamente o trânsito em julgado definitivo da demanda judicial.

Incidência de multa e juros sobre o Parcelamento de Tributos

Possibilitava a obtenção, na esfera judicial, de autorização para o pagamento sem a incidência de multa e parte dos juros.

Restringe as possibilidades de obtenção dessas decisões judiciais ao alterar a redação do Código Tributário Nacional.

Uso e divulgação das informações obtidas pela Fazenda Pública

Vedava a utilização das informações para qualquer fim, exceto para permuta entre as Fazendas Públicas e em função de requisição judicial do interesse da justiça.

Permite a troca de informações fiscais do governo federal com os governos estaduais e também com autoridades fiscais de outros países, sem necessidade de autorização judicial.

Conceito legal do Fato Gerador do Imposto de Renda

Permite a aplicação de Planejamentos que reduziam a carga tributária.

Amplia sensivelmente o alcance da tributação pelo Imposto de Renda, inviabilizando a adoção de algumas formas de Planejamento Tributário.

Não pagamento de imposto pelos partidos políticos, instituição de educação e de assistência social

Tinha como condição a não distribuição do seu patrimônio ou rendas a título de lucro ou participação dos resultados.

Estende este benefício para as fundações dos partidos políticos e entidades sindicais e altera a condição para a não distribuição do patrimônio ou rendas "a qualquer título".

Suspensão da exigibilidade do crédito tributário

Relaciona diversos procedimentos que podem suspender a exigência do imposto sem o seu pagamento efetivo.

Acrescenta como forma de suspensão do crédito tributário a obtenção de medida liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ação judicial e a concessão de Parcelamento.

Extinção ou Pagamento de crédito tributário

Relaciona diversas formas de extinção ou pagamento da obrigação tributária.

Inclui a dação em pagamento com bens imóveis como forma de extinção da obrigação tributária.

 

Além dessas alterações – bastante relevantes – foi introduzido no Estado de São Paulo, no final de dezembro de 2000, o imposto sobre herança, que vem somar, junto a tantas outras contribuições e impostos, na longa lista de responsabilidade tributária imposta aos contribuintes na já pesada carga tributária que são obrigados a pagar. Em recente reunião de partidos políticos pude constatar o quanto essas pessoas públicas, dependentes dos contribuintes que arrecadam ciosamente seus tributos, beneficiam com anistias e outros expedientes imorais, mesmo que legais, aqueles que nada pagam.

 

Essa realidade torna mais pesada ainda a carga da maioria de contribuintes efetivos (já que eles pagam inclusive pelos sonegadores contumazes, que também fazem parte do PIB). Além disso se analisarmos a carga em relação ao PIB ficamos surpreendidos pelas seguintes razões:

  • a carga tributária do Brasil, quando comparada ao PIB (33%), supera a de países como Estados Unidos (29% do PIB), Japão (28%) e Portugal e Espanha (30%)
  • a carga média da União Européia é superior; cerca de 35%
  • a carga nominal brasileira ultrapassa a carga média de vários países em desenvolvimento: México (22%), Argentina (20%), Uruguai (16%) e Paraguai (11%)
  • a conclusão a que se chega é a de que a carga tributária brasileira é a mais elevada do mundo quando juntamos nessa comparação a qualidade dos serviços públicos oferecidos ao cidadão

 

Uma análise atenta das recentes declarações do Secretário da Fazenda, utilizando-se de programas de entrevistas na televisão, rádio e jornais, preparou cuidadosamente cada detalhe para que as novas regras tributárias e os novos tributos fossem aceitos por uma grande população totalmente pacificada, sem reação ou qualquer capacidade de raciocinar objetivamente sobre o que, de fato, está acontecendo.

 

Ao eleger alguns segmentos como os grandes vilões do Estado – ressaltando a necessidade premente de manutenção da arrecadação dos tributos para "garantir a elevação do salário mínimo" (?) – foi desviada a atenção sobre esse novo assalto que está sendo feito à Nação. Trazer à público que "os médicos antes de informar seus honorários perguntam se o pagamento será feito com ou sem recibo", "os empresários valem-se de brechas da Lei para não pagarem seus tributos", "a declaração das pessoas mais ricas demonstra uma receita tributada bastante inferior ao montante da movimentação financeira em suas contas bancárias", etc. Aparentemente o interesse do atual Secretário é o de habituar os brasileiros com denúncias vazias e falácias, extremamente perigosas.

 

Os movimentos são claros: introduzem-se modificações no Código Tributário Nacional enquanto a decantada Reforma Tributária vai sendo seguidamente procrastinada – revelando-se como o "patinho feio" das reformas – buscando-se "culpados" pelas dificuldades que a população vem enfrentando.

 

A prática vem demonstrando o êxito que está sendo alcançado pelo Governo na utilização de repetição intensa de "suas verdades", transformando, especialmente, algumas mentiras em verdades indiscutíveis. Essa é uma velha técnica conhecida por todos os que gostam de história e filosofia.

 

Em 1930, Bergson – filósofo francês –, já se queixava do mau hábito de homens inteligentes confundirem o possível com o real. Segundo ele o possível são hipóteses múltiplas em qualidade e quantidade porque o possível é simplesmente o não-impossível é aquilo que (em relação ao futuro) não é impossível de acontecer é de uma multiplicidade quase infinita. Ora, aquilo que de fato aconteceu: o fato real (a hipótese que realmente aconteceu, se realizou) é único e irreversível.

 

Ainda segundo Bergson, os homens mais propensos a confundir o possível com o real são precisamente aqueles que lidam com números, com matemática, com sistemas lógicos herméticos. Tais homens (habituados a equacionar os problemas no plano abstrato da matemática superior) supõem que a solução abstrata possível seria perfeitamente realizável e que pela simples formulação literal de uma lei tudo já estaria resolvido, porque o procedimento dos contribuintes e o de seus fiscais teriam a concatenação lógica dos algarismos dentro da solução matemática. Os contribuintes e os seus fiscais lidam com números, mas eles próprios não são algarismos. Quem redigiu a lei igualou os homens com algarismos e superou até a observação de Bergson, pois confundiu o impossível com o real.

 

Em seu livro "Carnaval Tributário", Alfredo Augusto Becker, (também autor do livro: Teoria Geral do Direito Tributário, 1962 – Saraiva), comentando sobre essa questão já afirmava que "as leis do imposto de renda são alteradas – contínua e mensalmente – por outras leis, decretos-lei (atualmente as Medidas Provisórias), portarias ministeriais, pareceres normativos e outros atos de órgãos governamentais. A proliferação dessas alterações é tão rápida e contínua que o Governo não se dá mais ao trabalho de consolidar tudo em novo Regulamento do Imposto de Renda, cuja sigla, hoje, é uma ironia: RIR."

 

A Lei Complementar n.° 104, que "combate a elisão fiscal", introduz um conceito de abuso de forma que não é novo. Em seu livro, Alfredo Augusto Becker, relata que a partir de 1919, na Alemanha, usada especialmente pelo Parti

Partido Nacionalista, uma corrente doutrinária de interpretação das leis tributárias "se originou, floresceu e, por bastante tempo, predominou". Essa doutrina entrou em declínio a partir da 2a Grande Guerra, em 1945, e começa a renascer no Brasil.

 

Nessa corrente deveria se ter, na interpretação das leis tributárias, o princípio geral dominante o princípio de que o Direito Tributário deve ser interpretado de acordo com o fato econômico que está subjacente ao fato jurídico ou os efeitos econômicos decorrentes do fato jurídico". Segundo esse pensamento (revivido na Lei complementar 104) deve-se ter em mente apenas os fatos econômicos, ou seus efeitos econômicos decorrentes do fato jurídico referido na lei tributária, "de tal modo que, embora o fato jurídico acontecido fosse de natureza jurídica diversa daquela expressa na lei, o mesmo tributo seria devido, bastando a equivalência dos fatos econômicos subjacentes ou dos efeitos econômicos resultantes de fatos jurídicos de distinta natureza. Além disso, o dever tributário não deveria ser evitado ou diminuído pelo abuso de formas jurídicas. Esse abuso ocorreria quando na juridicização de um fato ou efeito econômico, a pessoa utilizasse ou criasse uma estrutura jurídica perfeitamente legal (porém não usual naquela época e circunstâncias) a fim de evitar o tributo que a lei determina incidir sobre uma diferente estrutura jurídica que era usual “.

 

De fato, se compararmos a redação dos §§ 4o e 5o do Código Tributário Alemão, de 13 de dezembro de 1919, com a redação do § único, do Art. 116, contidos no artigo 1o da Lei Complementar 104, observaremos as seguintes semelhanças:

Código Tributário Alemão, de 13/12/1919

Lei Complementar n.° 104, de 10/01/2001

§ 4o – Na interpretação das leis fiscais deve-se ter em conta a sua finalidade, o seu significado econômico e a evolução das circunstâncias.

§ 5o – A obrigação do imposto não pode ser evitada ou diminuída mediante o abuso das formas e das possibilidades de adaptação do direito civil.

§ Único – A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

 

Esta atitude adotada pelos legisladores mostra que o caminho que está sendo trilhado atualmente poderá resultar na mesma estrutura de força que, através da história, conhecemos. Inclusive nos resultados subseqüentes.

 

A consagração máxima, aceita pelo Governo Nazista, deu-se através da promulgação, em 16/10/1934, da Lei de Adaptação Tributária Alemã, que determinava:

§ 1o – Normas Tributárias.

  1. As leis fiscais devem ser interpretadas segundo as concepções gerais do nacional-socialismo.
  2. Para isto deve-se ter em conta a opinião geral, a finalidade e significado econômico das leis tributárias e a evolução das circunstâncias.

.......................

 

  1. O mesmo vale para julgar os fatos.

§ 6o – Abuso de Direito.

  1. A obrigação tributária não pode ser evitada nem reduzida por abuso das formas, nem pela interpretação abusiva das possibilidades formais do direito privado.
  2. Em caso de abuso, os impostos devem ser cobrados conforme uma interpretação legal adequada aos efeitos, situação e fatos econômicos.

 

Portanto esse tipo de redação e imposição de leis tributárias – totalmente favoráveis a aceitação da teoria do abuso de formas – favorece a governabilidade em uma das seguintes circunstâncias: a) o Nazismo; e b) o Fascismo. Resta saber em qual delas nós, dentro de nossa imóvel aceitação permanente dos atos do executivo, estaremos fadados a caminhar. É necessária uma reação adulta e cidadã, que passe a exigir maior transparência e responsabilidade de todos os integrantes da sociedade brasileira. É preciso que todos comecemos a raciocinar de forma própria, independentemente à ordenação central que tem produzido todos os fatos em nossa história contemporânea; bloqueando o crescimento econômico e social.

 

Creio ser muito importante reproduzir aqui a conclusão apresentada por Becker, em seu livro Carnaval Tributário, tanto para finalizar este texto como permitir que iniciemos um novo pensar.

"Bastou ao Nazismo, em 1934, introduzir no § 1o do Código Tributário Alemão o inciso 1: ‘As leis fiscais devem ser interpretadas segundo as concepções gerais do nacional-socialismo’, para que os Tribunais, apoiados na teoria hermenêutica em análise (e que lhes era imposta pelos incisos 2-3 do § 1o e incisos 2-3 do § 6o do RAO de 1919), passassem a julgar os problemas fiscais segundo a ideologia nazista. A atitude, em 1934, do governo nazista induz às duas conclusões seguintes:

a.       O governo nazista, sentindo que a teoria hermenêutica (que fora convertida em lei em 1919) o deixaria ao arbítrio das ideologias particulares de cada juiz, impôs a todos os Tribunais uma única ideologia: a nacional-socialista.

b.      Com a revogação da ideologia nacional-socialista, a interpretação das leis fiscais ficará ao sabor da ideologia predominante em cada juiz ou tribunal, que continuará a adaptar a lei fiscal ao caso concreto, agora, segundo a própria e pessoal ideologia.”

 

 

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